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Crônica: Semana Santa de minha infância

Por Lourival Serejo*


Na minha infância, as Semanas Santas, lá em Viana, representavam rezas, igreja, silêncio, retiros, procissões e comilança.


Tudo começava com os retiros, em que os participantes passavam o dia inteiro na igreja, rezando, confessando e ouvindo pregações.


Os retiros eram organizados por gênero e faixa etária: os senhores (homens casados); as esposas; os rapazes; as moças; as meninas e os meninos. Os senhores geralmente compareciam de terno.


O principal temor das crianças era a figura do frade, careca e barbudo, que comandava os procedimentos. Às vezes, apareciam vários frades. As filas para as confissões eram tensas. Os que saíam do confessionário contavam para os outros o que o confessor perguntou e o que eles haviam dito.


O Domingo de Ramos era marcado pela missa solene com o detalhe de o sacerdote espargir água benta nos ramos de palmeiras, levados pelos fiéis. Sempre pedíamos um ramo na casa do vizinho possuidor de uma palmeira no seu jardim. Alguns exagerados levavam galhos enormes. Ao voltar da igreja, aquele ramo abençoado era exposto ao lado do santuário, e ali ficava o ano inteiro.


Os dias principais – a quinta e a sexta-feira – eram regidos pelo silêncio, só rompidos na hora dos almoços, tão esperados e repletos de especiarias. Ainda tínhamos o café com pamonhas e canjica.


A lavagem dos pés era praticada na Quinta-Feira. Quem eram os privilegiados? Não me recordo. Apenas lembro que ficava pensando se um dia teria aquela oportunidade.


Sexta-Feira Santa só se falava sussurrando, porque Jesus estava com dor de cabeça. A casa não era varrida, não se pegava em dinheiro nem se ouvia música. Muito tempo depois, quando estava como promotor de justiça em São Bernardo, numa Sexta-Feira Santa, fui a um comércio, com apenas meia porta aberta, e comprei dois produtos. O dono não recebeu o dinheiro. Paguei no outro dia.


As cerimônias religiosas daquele dia eram cheias de fumaça, com o cheiro agradável de incenso e mirra; a longa leitura do Evangelho; e as matracas, marcando as paradas da Via-Sacra. A igreja cheia, fervorosa, vivia efetivamente um momento de paixão.


A marca maior da Sexta-Feira da Paixão era a procissão do Senhor morto. O ataúde, muito bem trabalhado, vindo de Lisboa, era coberto por um tecido amarelo e vermelho, com franjas, suspenso por peças de madeira pelas mãos de seis homens. À frente, ía o padre bem paramentado e solene. O andor de Nossa Senhora, com um lençol branco nas mãos estendidas, antecedia o Senhor morto. O contexto daquele cortejo sagrado unia todos os católicos.


Sábado de aleluia, logo ao amanhecer, nossa atividade era percorrer a cidade para ver os Judas pendurados e ler os testamentos expostos. Geralmente, as gozações atingiam os políticos locais.


Domingo da Ressurreição era o dia mais festivo. Todos vibrando com a subida de Jesus ao céu, corríamos à igreja para receber a comunhão e ouvir uma nova mensagem de vida.


E tudo voltava ao normal.


*Desembargador | Articulista do Jornal do Maranhão, impresso mensal da Arquidiocese.

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