Por Michael Amorim, Professor de filosofia, conferencista, catequista, podcaster pai e marido.
Há pouco mais de três anos li o maravilhoso livro Angústia e Paz, do Venerável Fulton Sheen, bispo americano. A leitura me proporcionou, desde então, muitas reflexões acerca das angústias do homem moderno que, em sua ânsia por independência, acaba por inverter a ordem das coisas e querer colocar-se acima de Deus — o mesmo erro cometido por Lúcifer, que parece ser o grande modelo das “ciências” modernas.
Um trecho, em especial, marcou-me profundamente. Trata-se de um capítulo sobre a Comunhão dos Santos. São belíssimas as palavras com que Fulton Sheen descreve a vocação das almas em clausura e, posso afirmar com o conhecimento de quem há seis anos frequenta um convento carmelita: belíssima é a vida contemplativa. Todos os que frequentam o Carmelo São José, aqui em São Luís, são agraciados pela dádiva de poder ver de perto, ainda que tão distantes, as monjas em sua vocação.
O mundo moderno, como George Steiner, crítico literário, tão bem observa, impõe barulho e falatório sem fim. Por onde se anda ouve-se músicas absurdamente altas, veículos barulhentos, esportes barulhentos, anúncios de produtos em caixas de som e uma infinidade de formas que a correria da vida moderna encontrou para tirar o homem daquilo que o faria ouvir sua própria voz: o silêncio. Um convento carmelita nos dá a paz e a tranquilidade que o mundo nos toma à força oferecendo em troca a confusão alienante chamada no Evangelho de ‘Legião”.
No entanto, o Carmelo nos mostra algo mais que uma fuga da confusão exterior. Encontramos ali, nas monjas enclausuradas, a prática da doutrina católica da comunhão dos santos.
Os cristãos são membros de um só corpo, professam uma só fé e passam por um só batismo, mas a comunhão dos santos vai muito além de um mesmo ato de adoração a Nosso Senhor. O que nos ensina o nono artigo do Credo é que todos os membros da Santa Igreja participam de seus bens espirituais, tanto externos (Eucaristia e demais sacramentos, orações, funções religiosas etc.), quanto internos (a graça recebida pelos sacramentos, as virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade, os merecimentos de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, os frutos das boas obras feitas por toda a Igreja…).
Em suma, a Comunhão dos Santos é o que une as três igrejas: a Igreja triunfante que está no céu, a igreja padecente que está no purgatório e a igreja militante, que é a dos católicos que ainda estão na terra. Estas três realidades da mesma Santa Igreja participam dos mesmos bens; os santos intercedem por nós e pelas almas do purgatório. Nós honramos e glorificamos os santos além de oferecer penitência e obras de caridade pelas almas do purgatório.
Essa unidade de intenções e participações, tão cara à fé católica, é vista na prática ao se visitar um local onde religiosos vivem a vida contemplativa em comunidade (e ao mesmo tempo em solidão). Nos fazendo compreender um pouco melhor essa realidade mística.
Não poderia deixar de citar um pequeno trecho do livro do Venerável Fulton Sheen. Segue o texto:
“Poucas consolações são maiores do que a de saber que estamos ligados a uma grande corporação de orações e sacrifícios. A Comunhão dos Santos é a grande descoberta daqueles que, quando adultos, encontram a plenitude da fé. Descobrem que, durante anos, houve dúzias e dúzias, em alguns casos, centenas de almas rezando especialmente por eles, tempestuando o céu com a súplica de que um pequeno ato de humildade da parte do convertido possa abrir uma fenda na sua armadura para deixar entrar a graça e a verdade de Deus. Cada alma no mundo tem o preço marcado e desde que muitas não podem ou não querem pagar o preço elas mesmas, outras devem fazê-lo em seu lugar. Não há provavelmente outro meio de explicar a conversão de algumas almas que não o de que neste mundo, como no outro, seus pais, parentes ou amigos, intercedem a Deus e conquistam para eles o prêmio da vida eterna.” (Angústia e Paz, Fulton Sheen, editora Agir)
No último dia 14 de Dezembro, na solenidade de São João da Cruz, pai espiritual das carmelitas, a irmã Maria Luísa do Espírito Santo, Ocd, completou nada menos que 30 anos de sua entrada no Carmelo. Trago abaixo uma singela entrevista que a irmã Maria Luísa gentilmente me concedeu.
Michael Amorim: Como foi o despertar de sua vocação e com que idade a senhora deu-se conta que queria seguir a vida carmelita?
Irmã Maria Luísa: Há um nome que devo mencionar por ser único: Padre Luís Muraro, Sj. Devo ao seu exemplo o despertar da minha vocação quando ainda era apenas uma criancinha de 5 a 6 anos de idade que dormia debaixo do Altar durante a Santa Missa. Devo ao seu olhar penetrante o zelo pela minha alma. O Senhor mesmo seja a sua recompensa. Amém.
Michael Amorim: Como foi a saída da casa dos seus pais e a reação deles quando a senhora entrou no convento?
Irmã Maria Luísa: Deixei a casa de meus pais no dia 13 de dezembro de 1993. Era uma manhã de segunda-feira e caia uma chuvinha leve. No dia anterior, festa de Nossa Senhora de Guadalupe, foi a minha formatura e, no mesmo dia, faleceu o meu avô, de sorte que, pela manhã eu era a oradora da minha turma, e à tarde eu era a neta que enterrava o avô. Vim ao Carmelo com toda a liberdade do meu coração, embora sofresse por ver sofrer os que me amavam. Minha família chorava, mas isso era normal. Parece que ser carmelita é sinônimo de morte; daí a saudade imensa que sentem de nós. Todavia, aos poucos a minha vocação tornou-se vocação da minha família.
Michael Amorim: A vida em clausura é uma vida de renúncias. O que foi mais difícil renunciar para entregar-se ao Senhor como religiosa?
Irmã Maria Luísa: O mais difícil de deixar foi a família, a companhia da minha mamãe. Tínhamos uma amizade muito estreita. Em casa, rezávamos juntas; na rua, sempre nos viam juntas; na Igreja, sempre juntas e no mesmo lugar (segundo banco). Foi com ela que aprendi a rezar. Portanto, a grande renúncia que fiz foi deixar a minha família.
Michael Amorim: Por que a vocação carmelita seria importante ainda hoje, com tantas obras no mundo precisando de missionários e voluntários?
Irmã Maria Luísa: Todas as vocações são importantes. Não basta haver os mosteiros, é imprescindível que haja também os religiosos de vida ativa. Todavia, todos sabemos o quanto a oração é necessária para tudo. E é por isso que o Carmelo está repleto de jovens que buscam viver esta vida; é pela consciência de que "a melhor parte" é preferível a tudo o mais. Aliás, quem disse que a monja carmelita não está lá fora, nas missões? Santa Teresinha do Menino Jesus, freira carmelita, é nada menos que a padroeira das missões. A santinha, que morreu com apenas 24 anos, compreendeu que o amor encerra todas as vocações. O corpo da carmelita está no convento, mas seu coração está espalhado pelo mundo todo.
Michael Amorim: Alguns dizem que a vida em clausura está ultrapassada. Que é um exagero fruto de uma mentalidade atrasada e extremista, que a Igreja precisa modernizar-se. O que a senhora acha desse tipo de pensamento? A vida carmelita é um exagero?
Irmã Maria Luísa: Ultrapassada?! Deus existe desde todo o sempre e não é ultrapassado. O que acontece é que muitos vivem insatisfeitos com a própria vida e, sem coragem de mudar, tentam nivelar as montanhas. Mas as montanhas sempre serão montanhas. Não adianta querer mudar o outro, querer nivelar para ter a sensação de igualdade, de modernidade.
Michael Amorim: Há quem pense que o Carmelo é uma prisão e que as monjas são prisioneiras infelizes obrigadas a uma rotina desumana, sem nenhuma alegria. O que a senhora responderia a esse tipo de pensamento sobre o Carmelo?
Irmã Maria Luísa: Muito dessa visão sobre os mosteiros é fruto de um iluminismo anticatólico, tão bem denunciado pelo escritor George Bernanos em sua peça “Diálogo das Carmelitas”. Certa vez eu falei a alguém, que me questionava sobre um filme de muito má interpretação da vida de nossa Irmã Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), que o Carmelo é muito grande e por isso não cabe em qualquer mente. Dizer que somos tristes é viver na ignorância de quem somos e de como vivemos. O testemunho mais corriqueiro de quem nos conhece é que somos felizes. E é assim mesmo. Somos felizes e sabemos sorrir até com o vento que bate de mansinho na nossa face. A vida carmelita é simples. Nós não complicamos as coisas, não.
Michael Amorim: A senhora já está há três décadas vivendo no Carmelo. Teria algum conselho para as postulantes e para as jovens que pensam em seguir essa vocação?
Irmã Maria Luísa: Eu diria que sejam generosas com Nosso Senhor. Ele nos dá tudo. Por que não usar de generosidade com Ele? Na maioria das vezes, as desistências não se dão por falta de vocação, mas sim por falta de uma vontade capaz de se arriscar. Deus vale mais que tudo. Basta olhar para frente, olhar para Ele.
Michael Amorim: É uma data especial. Trinta anos são três décadas de vida contemplativa. Algum pedido a ser feito em decorrência desse importante dia?
Irmã Maria Luísa: Peço, pois, a cada um que reze por mim, em louvor e ação de graças pelo dom da perseverança que me foi concedido. Aos que são Sacerdotes, por caridade, eu peço: lembrem-se de mim no altar de Deus. Aos meus filhos consagrados e aos que são leigos, peço que rezem nas contas do vosso terço por mim. Aos meus afilhados eu imploro: quando raiar o dia 14, rezem por mim, cuidem de mim nesse dia como eu cuido de vocês diante do Senhor. Isto não é um convite para festa; é somente o meu desejo de que rezem por mim com gratidão. Será um dia vivido no meu “castelo interior”, naquela solidão sonora de que fala o meu Pai João da Cruz.
Michael Amorim: Agradeço enormemente o carinho e a gentileza de suas palavras, irmã. Foi uma honra imensa conversar com a senhora.
Irmã Maria Luísa: Eu louvo e agradeço ao meu Senhor que me chamou, me suportou, me prendeu e não cessa de me dar mostras de seu amor. De todo o meu coração desejo amá-lo por todos os dias da minha vida, e, quando soar para mim o dia final, quero estar no meu lugar, o lugar que a sua vontade escolheu para mim. Enfim, rezem por mim. Saibam todos que estou sempre rezando por vós. Deixo aqui o meu carinho e minha gratidão.
São Luís, 06 de dezembro de 2023, festa de São João da Cruz.
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